Os irmãos inimigos em solo grego
Durante a Segunda Guerra Mundial, parte do povo grego se
engajou na resistência ao nazismo, episódio que deu origem à Guerra Civil da
Grécia. É justamente este o cenário de Os
irmãos inimigos, publicado postumamente em 1963. O autor, Nikos Kazantzakis
(1885-1957), participou da resistência, e na obra o fratricídio é contado pelos
olhos e pensamentos do padre Yannaros, que vê na terra árida do povoado de
Kastellos o reflexo da aridez dos corações que se deixaram contaminar pelo ódio
das lutas.
No vilarejo, todos se conhecem o suficiente para saber quais
características vão utilizar como justificativa para essa fúria coletiva: mães
e pais pagam pela escolha dos filhos; profissões são achincalhadas; os fracos
não merecem perdão; os fortes personificam o rancor que deixa a todos cegos. No
meio de toda essa loucura, o protagonista se pergunta: “Se Cristo voltasse, de
que lado ficaria? Com os pretos? Com os vermelhos? Ou também permaneceria no
meio, clamando de braços abertos: ‘Amai-vos uns aos outros!’?” (na tradução de
Milton Persson para o Círculo do Livro).
O sacerdote trava duas lutas. Um interna, tentando entender
onde Deus entra nisso tudo, o que ele deseja mostrar no meio desse massacre,
quais são seus desígnios. Externamente, se esforça no papel de representante de
Deus na Terra e tenta levar palavras de amor e consolo. São duas batalhas sem
chances de vitória: não há como explicar a guerra, ainda mais entre irmãos,
assim como não há como fazer seu rebanho lembrar-se de que acima de tudo há
algo sublime, há o amor que tudo resolve e tudo cura. As carnes estão muito
feridas para uma mensagem tão elevada.
A Guerra Civil da Grécia (1946 a 1949) teve, de um lado, as
forças armadas do governo, com o apoio do Reino Unido e Estados Unidos; e de
outro, o Partido Comunista e seu braço armado, o Exército Democrático da Grécia,
além da organização de resistência antifascista, a Frente Nacional de Liberação,
com o apoio da Bulgária, Iugoslávia e Albânia. No livro, os que lutam pela
resistência são os boinas vermelhas; as forças do governo do rei Jorge II são
os boinas pretas.
Na trama de Kazantzakis , há dois personagens que também têm
um papel importante na trama: o filho do pope Yannaros, capitão Drakos, e o
jovem soldado Leônidas, que escreve um diário em tom de delírio e confissão.
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Drakos, capitão dos boinas vermelhas, é motivo de admiração, principalmente entre os mais jovens, enquanto é odiado pelos mais velhos do povoado de Kastellos, visto como um traidor da Grécia. Em seu pai, causa um sentimento de tristeza e incerteza sobre o que ele é capaz de fazer em nome de seus ideais.
O inocente e quase menino Leônidas usa o seu diário para tentar manter-se próximo da amada Mariô, seu maior motivo para resistir aos horrores em que ele fora jogado. Para o leitor, o diário de Leônidas, que dura cerca de 30 páginas, dá um outro foco na guerra, funcionando como uma faísca de esperança de que nem tudo está perdido, mesmo quando ele começa a agir de forma cruel, como o resto do grupo, porque ele ainda é capaz de por em dúvida todo aquele sangue derramado: “Nem o heroísmo nem a fé constituem, portanto, critério infalível. Como distinguir a verdade da mentira? Quantos heróis e mártires se sacrificaram por um ideal indigno? Deus e o Diabo, ambos, possuem seus santos. Como diferenciá-los?” pergunta o soldado que ainda sonha em ler, nos campos, versos da Ilíada para a sua namoradinha.
(à esquerda, cena da Ilíada, de Homero, em um vaso grego antigo)
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