Meu Top 3 de 2020
Uma característica desse blog é dar espaço para livros de qualquer época, não só os recém lançados. Então, não estranhem meu Top 3. Um livro não precisa ser considerado clássico ou estar na lista dos mais vendidos para ser citado. Compro, ganho, pego emprestado, descubro e redescubro livros, sem um roteiro. Espero que eles sirvam como sugestão para as leitura de 2021!
3 - O FILHO DE MIL HOMENS, de Valter Hugo Mãe. A obra de 2015 ganhou uma edição linda este ano, pelo selo Biblioteca Azul, da editora Globo, com ilustrações de Agostinho Santos e prefácio do escritor argentino Alberto Manguel. Quem poderia descrever tão bem uma história de esperança e amor de um pescador que vive à beira do mar, senão um navegante português das mais belas palavras, como Hugo Mãe? O solitário Crisóstomo sonha em ser pai; em outros vilarejos, outros personagens também sonham com o preenchimento de algum tipo de amor. Mas têm que lidar com a hipocrisia e egoísmo que se vê em sociedades de qualquer tamanho e riqueza. E eles vão descobrindo seus lugares no mundo e nas vidas uns dos outros.
O amor resolvendo tudo, dito assim, pode parecer piegas. Mas não é nem um pouquinho. É gostoso de ler e deixa o coração quentinho. Os personagens, você já viu por aí, sim, mas não deu a devida atenção a eles. Por fim, uma pergunta que fica: quantas vezes já estivemos, não na pele desses personagens que sofrem, mas dos que fazem sofrer? Porque é uma história sem monstros: são só humanos, com toda a sua carga de amor, desamor, injustiça e redenção.
2 - SODOMA E GOMORRA - Volume 4 de EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO, de Marcel Proust. Tradução de Mário Quintana. De um total de sete livros, esse quarto volume é o segundo que eu mais gostei. O primeiro, pra mim, foi uma epifania, perfeito, lindo, uma explosão de sensibilidade. Os dois seguintes, gostei. Mas esse me reconectou com aquele universo bélle époque, e onde senti mais forte uma característica dessa obra: como Proust consegue mostrar, de forma crua, o caráter de cada um. Ou múltiplos caracteres, mostrados nos grandes salões onde a sociedade regurgita seus valores, como hoje regurgita nas redes sociais. Ou seja, querer se sentir o máximo e desprezar o diferente e aplaudir o que se idealiza nunca saiu de moda. O narrador mostra como somos, sem oferecer pedras pontudas a quem se indigna com essa fogueira das vaidades. Nós somos. E ponto.
Neste volume, ele foca muito em um dos persoangens que eu mais gosto: o entojado Barão de Charlus, mais errado no trato e no julgamento das pessoas, impossível. Mas até ele pode encontrar alguém mais cruel. Mas não é bom porque podemos nos sentir vingados. É bom porque lembramos que todos temos um lado selvagem e um lado frágil.
Falando em selvageria, o livro 4, mais uma vez, discute o Caso Dreyfus, que aconteceu na última década do século XIX: o capitão Alfred Dreyfus foi acusado de alta traição ao governo francês. Depois de muito sofrimento, idas e vindas e até uma estadia nada agradável na Ilha do Diabo (ilha penal na Guiana Francesa, onde também cumpriu pena o personagem Papillon, do livro best-seller de mesmo nome), o governo aceitou a inocência do capitão. Nos salões proustianos, fica bem evidente as diferenças entre os dreyfusistas e os ditos a favor da República. O fundo da disputa é o racismo: Dreyfus era judeu, e isso pesava mais que tudo na hora de acusá-lo. E como em inúmeros momentos de
toda a saga, ficção e realidade se misturam, com os convivas comentando o texto J'accuse...!,
de Emile Zola, publicado no jornal L'Aurore em 1898 em que o já renomado
escritor acusa oficiais franceses de cometerem erros que foram decisivos na
condenção injusta de Dreyfus.
Outro personagem querido (esse de todos) reaparece, mas já com a saúde combalida, o que dá uma trsiteza a quem é seu fã: Charles Swann. Dá vontade de falar pro narrador: fala mais com o Swann, marca uma visita, queremos mais Swann enquanto ainda dá tempo.
1- VIAGEM À SEMENTE - UMA BIOGRAFIA, de Dasso Saldívar. Tradução de Eric Nepomuceno. Coloquei à frente do meu amado Proust porque me surpreendeu muito. Afinal, não é um livro DO Gabo, mas SOBRE Gabo. Achava que ia gostar, mas ler a vida de Gabriel García Márquez conhecendo suas referências e inspirações foi delicioso. Saldívar é um jornalista e crítico literário que dedicou duas décadas a juntar tudo isso, começando a narrativa com o avô do biografado, que reaparece sob a roupagem de coronéis, anos depois, aqui e acolá, nos livros de Gabito, menino tímido criado no casarão com os avós e tias até os dez anos. Esse ambiente foi um terreno fértil para quem depois se consagraria como um contador de histórias fantásticas.
O biógrafo consegue recriar, em muitos momentos, o maravilhoso clima do universo macondiano. E toma-lhe história: de onde vem o nome Macondo; quem inspirou O Amor nos Tempos do Cólera; quais seus ídolos literários; em que condições foi escrito Cem Anos de Solidão; como era o Gabo jornalista; qual a versão da família García Márquez para a briga fora das páginas com o peruano Mario Vargas Llosa; e muitos outros relatos. Valeu cada um dos 20 anos de pesquisa para o livro, que ainda traz fotos dos lugares onde Gabo viveu e de pessoas importantes na sua vida.
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