Memorial Aéreo

Deixe o mar carregar, ninguém ordena o mar. Só ele mesmo.  Quem tenta conter o mar se fecha em si, como numa casca, e se esquece de que o brilho do sol permite que tudo seja visto, ainda que não seja apreciado.  Mar que não dá peixe também pode ser bom.  O prazer de se banhar te basta?  Se sim, você pode mergulhar em qualquer mar.  Mas se é peixe, vida, cores variadas que te preenchem, perca tempo procurando mais um pouquinho até se deliciar com o mar perfeito. Pleno.

De que adianta cantar como os pássaros se o pensamento não voa?  Podemos enganar quem nos ouve, mas não a voz que ouvimos, assim: "Vai, tira o pé do chão. Experimenta, busca o céu". Para essa voz, não adianta inventar desculpas. Ela sabe até onde você pode ir e até onde seu medo não deixa.

De quantos pedacinhos de "não" nós somos feitos?  Quantos pedacinhos de sim insinceros jogamos por aí?  A cada negação do que poderíamos ter sido, deixamos de sentir.  A cada não do querer, deixamos de ser.  A cada sim por obrigação, perdemos fibras do corpo.  As fibras vão, fica a carcaça do não.  Grandes e ocos.  Adultos ocos.  Não perdemos só roupas quando crescemos perdemos as fibras do sim verdadeiro e do não que nos convinha.  Somos o contrário do tudo.

Cada pessoa que me conta uma história de sua vida, se torna especial para mim. Ouço rindo, ou às vezes chorando, visualizando, sentindo. Finais felizes ou tristes, não importa: pude ver algumas páginas daquele livro único, e nunca mais aquela pessoa será a mesma para mim. Já notei que, geralmente, as pessoas gostam de contar seus momentos de surpresa, grandes coincidências, crescimento, superação. Por que será? Acho que é uma forma delas lembrarem para si mesmas o quanto são especiais. Ou porque o ser humano, no geral, sente prazer em ser um contador. Não deixa de ser uma forma de manter a tradição oral, ameaçada desde a criação do alfabeto e mais do que nunca, com a vida em rede. Por que é tão gostoso contar e ouvir histórias? Talvez, também, porque gostamos de ver a reação das pessoas. E o melhor: cada narrador é único. Por exemplo, os mais bem-humorados sempre vão contar suas façanhas de uma forma divertida. A vida dele é mais divertida? Não. Ele enxergou a graça no seu cotid...